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Cartas de pai, emigração, uma lágrima e tucanos. - Embarque e chegada ao Brasil

Atualizado: 24 de ago. de 2021


Em casa - Foto: Bárbara

Florianópolis, 06/07/2018 - Sexta-feira


O dia do retorno ao Brasil começou no cabeleireiro para fazer a manutenção no visual. Depois fomos ao supermercado comprar ingredientes para os lanches que levamos durante a viagem e um buquê de flores para Brigitte, a original.


Gilson ainda fez alguns ajustes finais na Brigite II e eu reabri a bagagem para tentar incluir utensílios de vidro que a inquilina de Brigitte tinha colocado na rua para doação. Consegui encaixar tudo dentro dos capacetes e nos espaços entre eles, protegendo-os com os forros térmicos das roupas de cordura. Fiquei preocupada que tivesse ultrapassado o limite de peso, mas a balança de Gerhard me disse que ainda havia uma margem livre de 2 kg.


Lavamos a Brigite II todinha e a guardamos na garagem com uma certa tristeza. Tudo feito com agilidade e objetividade, porque o tempo passou voando e já era hora de almoçar. Quem preparou o almoço foi Gerhard, e foi divino, bolinho vegano, purê de batatas e purê de maçã. Parece tão simples, mas combina muito bem! Depois que me tornei vegetariana meu paladar ficou muito mais apurado e consigo sentir todas as sutilezas dos sabores. Delicioso!



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Depois de arrumar a cozinha, Gerhard me entregou um grande envelope, cumprindo a promessa feita no dia anterior de separar as cartas que meu pai havia escrito para ele e minha avó no período em que participou das missões entre os índios da Amazônia no Brasil. Fiquei emocionada, porque meu pai era muito reservado e não conversava muito. Elas continham descrição minuciosa dos enormes e difíceis deslocamentos, da geografia das regiões que atravessou partindo do Rio Grande do Sul e das condições em que as comunidades viviam. Ele não gostava da ideia de "civilizar" os índios, mas entendia que naqueles anos de 1967 a 1968 era a única forma de manterem-se vivos. Foi um presente que me tocou profundamente.


Gerhard reforçou a sugestão feita no dia anterior, de que eu escrevesse o relato da viagem que fizemos, para lembrar e ser lembrado. Despedimo-nos de Brigitte, a anfitriã, e entramos no táxi que nos levaria à estação de Harburg. Gerhard ainda perguntou se não nos esquecemos de nada. Era estranha aquela sensação de saber que não, mas sentir que sim.


- Apenas a Brigite, que ficou na garagem... -


Como estaríamos em cinco no metrô ao aeroporto, optamos pelo bilhete de grupo, mais econômico e válido pelo dia todo, permitindo a volta dos que não foram. (Olha aí, nunca imaginei que essa frase pudesse fazer sentido!) Fomos à casa da Hilla, para buscar minha mãe e sua bagagem. Reunidos nós cinco, tomamos o metrô até a estação Hamburg Mitte onde fizemos a baldeação para a linha do aeroporto. Todas as estações têm elevadores e/ou escadas rolantes, e minha mãe pôde chegar sem dificuldade em todas as plataformas. Foi rápido e eficiente.


Naquele dia começavam as férias escolares, e embarcaram conosco vários jovens com bagagem. Jovens são iguais em toda parte do mundo, não percebem quando obstruem a passagem ou quando alguém precisa sentar. São inexperientes em muitos aspectos e ainda tem muito que aprender.



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A estação final da linha fica no subsolo do aeroporto. Da plataforma de desembarque é só entrar no elevador e já se está muito próximo da área de embarque. Assim que chegamos fomos abordados por dois homens que pareciam estrangeiros recém-chegados. Eles perguntaram se tínhamos passes diários de metrô para ceder a eles. Gerhard e Hilla foram gentis e disseram que ainda precisariam dos passes para retornar. Em seguida abordaram outros passageiros, e por fim a mim e Gilson, que vínhamos mais atrás. Gilson ficou observando e logo sacou que aquilo não era o que parecia, eles tentavam conseguir o passe e depois tentavam vendê-lo abaixo do preço normal.


O saguão estava fervilhante de passageiros prestes a embarcar. Havia vários estudantes que aparentavam partir em excursão. Num dos grupos, uma jovem tropeçou numa das malas e se estatelou no chão. Tivemos o impulso de ajudar, enquanto os colegas riam e debochavam da moça que disfarçava e fingia que não havia nada. Fiquei indignada olhando aquele grupo e me perguntei de quê adianta a juventude, saúde e beleza quando se é tão superficial e cruel com os amigos...


Bagagem despachada, os três irmãos se abraçaram. Prometemos que em um ano alguém viria novamente trazendo minha mãe para que eles pudessem se reencontrar. Despedida objetiva: abraço, sorrisos e desejo de um feliz retorno. Fomos os primeiros a entrar na área de revista da policia federal, apresentamos os passaportes, e passamos pelo raio-X e minha mãe foi grosseiramente apalpada na cadeira de rodas. Olhei aborrecida aquela cena, havia ainda muitas pessoas para passar pelo mesmo procedimento, uma fila enorme. Além dela, Gerhard e Hilla caminhavam apressados na direção da saída, abanaram uma última vez olhando para onde estávamos. Apenas uma lágrima incontida que escapava furtiva sobre a face de Hilla denunciava o quanto a despedida pesava e que promessas nem sempre podem ser cumpridas...


Em Frankfurt no portão de embarque da conexão ao Rio de Janeiro, o ambiente era alegre e barulhento. Depois de tantos dias cercados pelo silêncio, ordem e calma alemães, estávamos cercados por um batalhão animado de gente falando português, foi muito engraçado. Minutos antes do horário de embarque a empresa ofereceu upgrade para acentos melhores por uma diferença pequena de preço, mas minha mãe não quis, disse que preferia ficar com o dinheiro e com a classe turística. Então tá! Embarcamos no avião de dois andares e, desta vez, minha poltrona reclinava normalmente permitindo uma viagem relativamente confortável, assisti dois filmes, ouvi música e até dormi um pouco. Ufa!



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Durante o desembarque no Rio de Janeiro, o comissário chefe ficou posicionado à porta se despedindo dos passageiros. No momento em que minha mãe se preparava para passar pela porta, ele a abordou perguntando se ela queria ajuda para descer. Ela levantou os olhos do chão para responder que não era necessário, e continuou a andar sem perceber que havia um desnível de aproximadamente 15 cm entre o piso da porta e o piso da ponte retrátil de desembarque. Eu vinha atrás e não consegui evitar o que aconteceu. Tive ímpetos de esganar o comissário! Minha mãe só não caiu pesadamente no chão porque o espaço da área de transição era estreito e ela pisou com seu pé bom. Mas ela bateu violentamente com todo o peso do corpo contra a parede lateral, deixando seu ombro e joelho doloridos até horas depois de chegar em casa. Todos os cinco assistentes que aguardavam com cadeiras de rodas por seus idosos pularam para tentar ampará-la, sem sucesso. Então, meus queridos, fica aí a lição, não ofereçam ajuda com palavras, mas com ações, fechou?

Em Florianópolis pedimos um Uber, mas ele não chegava nunca! No trajeto de 9 km super congestionado até em casa o contraste entre os dois países gritava suas diferenças, da ocupação do espaço, da atitude das pessoas, do trânsito. Aquilo me chateou.


Mas aí, um bando de pássaros grandes e barulhentos sobrevoou a rodovia, um pouco a frente de onde estávamos. Eram quatro tucanos de bico amarelo que voavam do Parque Municipal Maciço da Costeira em direção à Reserva de Extrativismo Costeira do Pirajubaé, muito próximo ao Sambaqui do Rio Tavares III, onde foi encontrado o fóssil completo de um esqueleto humano, com idade estimada em mais de 2.000 anos.


- “Os seres humanos buscam os melhores lugares para se viver, tanto hoje, como há mais de dois mil anos.” -


Quem sou eu para discordar...


Um sorriso aflorou no rosto de Gilson.


Estamos em casa.

 

O dia em números:


Deslocamento:

  • Trajeto de táxi e metrô de Harburg a Hamburg e aeroporto

Despesas:

  • Combustível € 0,00

  • Estacionamento € 0,00

  • Transporte: € 17,00

  • Hospedagem € 0,00

  • Alimentação € 48,82

  • Ingressos € 0,00

  • Moto (peças e serviço) € 0,00

  • Presentes € 0,00

  • Outros € 36,00

  • TOTAL € 102,82

Serviço:

 

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