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  • Foto do escritorBárbara

27° Dia: Dor, Van Gogh e Recife - entre Göttingen e Hamburg

Atualizado: 24 de ago. de 2021

Foto: Gilson Maia

Hamburg, 03/07/2018 - Terça-feria


Acordei com dor de cabeça, !#@%&*!, daquelas causadas pela tensão muscular. É uma velha conhecida e causa um mal-estar que chega a dar enjoo. Como a dor não aliviou depois de um relaxamento com jatos de água quente no chuveiro, tomei o analgésico que compramos no dia seguinte ao conserto do freio, mas o efeito foi estranho, os sintomas não aliviavam e me senti zonza e entorpecida. Mas, me forcei a tomar café da manhã e me esforcei a participar da conversa alegre do Gilson, apesar de todos os barulhos acentuarem o mal-estar, confirmando uma associação com enxaqueca.


É o último dia de deslocamento. Ainda com a cabeça pesada, programei a rota do dia sem verificar o caminho, como sempre faço. Confiei no navegador e dei "enter", mas ao invés dele nos levar ao centrinho de Göttingen, que não chegamos a fotografar na noite anterior, ele nos levou para a estrada estadual B3, direto para um acesso interditado por obras. Seguimos o fluxo dos carros que também foram surpreendidos pela obra, mas o googlemaps insistia em nos mandar de volta porque não estava atualizado. Paramos. Aquilo tudo somado ao meu mal-estar estava me embrulhando o estômago. Decidimos seguir até o próximo acesso à rodovia e a partir dali continuar com a navegação do googlemaps.


O único destino inserido na rota até Hamburg foi Burg Plesse (fortificação Plesse) a 17 km do hotel onde estivemos hospedados. Eu não fazia ideia do que nos esperava, apenas parti do princípio de que fortificações tem uma bela vista sobre as imediações e é um bom lugar para se despedir de um destino antes de seguir para outro.


Abandonamos a B3 e tomamos uma estrada local entre lindos campos de trigo dourado, que subia na direção de um morro com o topo densamente arborizado. A altura do sol e sua luz estavam diferentes, mas a paisagem era a mesma do final do dia de ontem em que nos sentimos num quadro de van Gogh. Fiquei animada com a possibilidade de tirar uma foto capaz de expressar esse sentimento. Havia várias trilhas sinalizadas e passamos por várias pessoas, das quais a maioria idosos, caminhando ou andando de bicicleta. Quando dizem que a Alemanha é um país de velhos, é verdade, mas não se iluda, pois eles são ultra fitness.


Uma estrada sinuosa pelo bosque nos levou até o estacionamento. Gilson sempre gosta de estacionar a moto do ladinho do destino, mas desta vez a deixou no estacionamento acima da fortificação. Descemos a trilha até a muralha construída em alvenaria de pedra parcialmente em ruínas. A luz do sol filtrada pelas folhas das árvores é linda e me remeteu às pinturas do romantismo, movimento artístico do qual a Alemanha com seu amor pela natureza foi um dos melhores representantes. Atravessamos o portão de acesso e subimos a rampa que levava a um platô de onde se tinha uma ampla vista sobre o entorno.


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No pátio formado pelo espaço entre uma das duas torres e a construção principal havia um Biergarten, com mesas e cadeiras agrupadas a sombra das árvores, ali tomamos sorvete e tomamos refrigerante enquanto chegavam pessoas que vinham para almoçar: um senhor trazendo pelo braço a esposa que caminhava sobre as pedras com apoio de uma bengala, um menino de 8 anos cheio de energia com o pai de bicicletas, e um casal com 6 crianças com idades variando entre nove meses a 10 anos. Havia um restaurante na construção principal com ambientação que respeitava suas características históricas e permitia transportar-se ao passado imaginando como seriam as pessoas e o que faziam naquele lugar.


Subimos a torre ouvindo uma menina contar os degraus até lá em cima, não pergunte quantos eram, não lembro, pois eram muitos, mas não foi difícil chegar. No alto da torre encontramos o senhor que acompanhara a esposa com a bengala, ele se interessou por nós quando ouviu o Gilson falar, contou que viveu em Recife na época da copa de 70. Foi um bom papo em espanhol e alemão, falamos da nossa viagem e das experiências do casal na época em que viveram e trabalharam no Brasil. Sua esposa estava lá em baixo aguardando o almoço, ela tinha problemas de mobilidade e não pôde acompanha-lo na torre. Reencontramo-nos ao nos despedimos antes de partir. Havia um brilho de curiosidade e nostalgia nos olhos da esposa ao lembrar-se de suas próprias aventuras que já não podiam mais repetir. Percebi que aprovavam nossa viagem e sentiam admiração por nós. Deram-nos muitas recomendações e nos desejaram um feliz retorno para casa.


De volta ao estacionamento percebemos que aquele bosque era um Friedwald, bosque da paz, onde as cinzas dos entes queridos falecidos podem ser sepultadas junto às árvores. Acho que gostaria dessa solução para mim quando chegar minha hora. Enquanto eu pensava na vida, envelhecimento e morte, Gilson focava o imediato que era um Fusca cabriolé lindíssimo estacionado com farol esquecido aceso. Ele desligou o farol e pediu para eu escrever um bilhete para deixar no carro. Encontrei um guardanapo limpo e escrevi um elogio ao carro e avisei que tomamos a liberdade de desligar o farol para que não ficassem em apuros na volta. Assinamos nossos nomes, origem e meio de transporte, talvez motivados pela lembrança do casal que acabamos de conhecer e que desejei que fossem os proprietários do fusca.


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Caminho de acesso à fortificação Plesse.


A partir de então tomamos a autoestrada A7, e aí ficamos até o final da viagem. O trânsito era intenso e com muitos caminhões. Lembrei que Hamburg é o maior porto da Alemanha, então a viagem prosseguiria assim até lá. Havia muitas obras na estrada, principalmente nos viadutos de acesso. Numa delas me chamou atenção a máquina que espalhava, adensava e alisava o asfalto e tinha a largura de três pistas, fazendo o serviço todo de uma vez. A paisagem não apresentava variações, campos cultivados, parques eólicos, cidades de todos tamanhos, até chegarmos a Lüneburger Heide (Charneca de Lüneburg), uma área de proteção ambiental e cultural, num trecho quase no final de 50 km, quando a quantidade de árvores aumentou repentinamente e o calor intenso cedeu.


Paramos três vezes para abastecer ou descansar e reencontramos vários motociclistas, como dois finlandeses que tinham um ritmo parecido com o nosso. Num dos postos havia um grupo de três Harleys, também finlandesas, cada uma com reboquinhos combinandinho da mesma marca e cor das motos! Esses europeus são mesmo muito vaidosos e orgulhosos de suas máquinas fantásticas! Gilson se esqueceu de lubrificar a corrente nova antes de sairmos e, sem querer abrir a bagagem para pegar o spray lubrificante e sem lubrificante a venda no posto, procurou nas lixeiras ao lado das bombas de combustíveis e encontrou sobras de óleo em recipientes recém abertos que usou para lubrificar a corrente nova. Gilson é foda!

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Sem mais segredos, a moto já era uma extensão de nós mesmos, e percorremos o restante do trajeto a 120 e 130 km/h com segurança e confiança. Brigite nunca esteve tão bem! Chegamos a Hamburg pouco depois das 17h. Gerhard e Brigitte, aquela que serviu de inspiração para nomear a nossa, conversavam e bebiam vinho com um vizinho e nos esperavam no pátio de entrada. Chegamos sorrindo e felizes de reencontrá-los e isso os deixou alegres também. Gerhard nos convidou para jantar num restaurante grego dizendo que pagaria a conta e que, apesar de ser idoso, ficou feliz de ser mais ágil em fazer o convite e que portanto não deveríamos contradizê-lo e nos submeter a ele.


Foi muito divertido! Gerhard é um Gentleman aventureiro e contou várias histórias de suas próprias aventuras incríveis pelo mundo! Brigitte é classuda, segura e independente e queria saber como são os alemães pela perspectiva de um estrangeiro! Bebi 2 copos de Uzo (cachaça grega a base de anis) e 2 taças de vinho branco gregos e fiquei bem altinha. Tantos dias bebendo apenas cerveja sem álcool foi como um Ramadam, segundo Gerhard.


Enquanto eu entretia os dois com o relato de nossa aventura, Gilson levantou para ir ao toalete, mas na verdade levava um guardanapo onde eu havia escrito em alemão: "a conta, por favor." que ele leu no balcão de atendimento ao jovem garçom grego que, assim como Gilson, mal falava alemão. Dessa forma ele conseguiu pagar a conta sem que nossos anfitriões percebessem. Depois de Gilson voltar à mesa o garçom retornou com uma garrafa de Uzo na mão e, seguindo a tradição do estabelecimento, informou que a conta estava paga e serviu mais um copo para cada um por conta da casa, deixando Gerhard e Brigitte surpresos e encantados com a discrição do Gilson. E assim terminou nosso último dia de estrada, com boa comida, boa bebida e a melhor companhia que se pode desejar.


 

O dia em números:


Deslocamento:

  • Trajeto de Göttingen a Hamburg:

  • Distância percorrida = 280 km ≈ Duração = 3h20m

  • Início 10h - Fim 17h (do hotel à casa de Gerhard)

Despesas: Combustível € 13,69 Estacionamento € 0,00 Hospedagem € 0,00 Alimentação € 75,11 Ingressos € 0,00 Moto (peças e serviço) € 0,00 Presentes € 0,00 Outros € 0,00 TOTAL € 88,80




 

Serviço:

 

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